Alcoolismo

23/07/2009 16:43

 

por Rita de Cássia da Silva

 

 

“Ah!, tem uma repetição que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?” ( Riobaldo – personagem de Grande Sertão Veredas – J. G. Rosa)

 

I-APRESENTAÇÃO

 

O presente artigo pretende trabalhar a questão do alcoolismo, enfatizando os aspectos psicossociais. Abordarei os fatores históricos e sociais, a participação da família no desenvolvimento da personalidade alcoolista e também a participação do indivíduo.

A bebida alcoólica sempre existiu na história da humanidade, fez e faz parte das diversas culturas em cerimônias e rituais religiosos. Não é deste tipo de utilização do álcool que pretendo abordar neste trabalho, e sim daquela que entra no corpo do indivíduo, invade sua consciência, altera-a e aliena o sujeito, transformando-o em coisa.

Neste contexto, alienação para esse sujeito, é alienação de si próprio ou auto-alienação. É a alienação do homem em relação a si próprio, às suas possibilidades humanas. É um tipo de alienação que vai acontecendo na travessia e através de sua própria atividade. É uma alienação que não atende ao apelo de uma modificação de si mesmo e nem modificação do mundo em que vive. O indivíduo alcoólico é aquele ser, que vai se tornando pelo consumo de álcool, alheio, estranho e alienado dos resultados da sua própria atividade, da natureza onde vive e de outros seres humanos.

Com a utilização do álcool para diminuir sua angústia, o sujeito pensa estar solucionando o problema, mais tarde percebe, como diz Riobaldo em Grande Sertão Veredas, que nadou, nadou e foi parar bem mais embaixo, ou seja, sua angústia em relação à vida tomou proporções maiores, e seu viver ficou muito perigoso. É como se a vida não oferecesse mais saídas e chegadas.

É deste indivíduo que perde a esperança, que desiste de lutar no meio de uma sociedade que também é alienada, que pretendo falar. Este é um assunto muito vasto e não seria possível esgotá-lo neste trabalho.

Muitos enfoques são dados à questão do alcoolismo, aqui me utilizo de uma leitura sócio-histórica(marxista) para falar da construção social do fenômeno alcoolismo e da psicanálise para explicar a personalidade alcoólatra e a dinâmica familiar. Em alguns momentos usarei o termo adicto para o alcoolista, por ele etimologicamente, significar escravo. Como escravo, o alcoolista se anula, não assume o compromisso consigo mesmo e nem com os outros. Foge da realidade quando não encara a vida.

No final do trabalho faço uma ponte com casos que atendi no Centro de Saúde – Integração (Campinas) e no CRAMI - Centro Regional de atendimento a maus-tratos na infância (Campinas) e na Escola onde trabalhei em psicologia escolar também na cidade Campinas, no ano de 1996.

 

II-O ALCOOLISMO

 

O presente texto pretende fazer uma abordagem mais compreensiva do que repressiva do problema do alcoolismo. Será imprescindível inserir o alcoolismo num contexto mais amplo, o histórico e social, para que se chegue a uma visão mais abrangente e relevante do alcoolismo, ultrapassando os preconceitos, as atitudes moralizantes e repreensivas e as medidas repressivas.

A sociedade atual legitimou a corrupção, a especulação, a desconsideração pelos valores humanos, pela vida e pela natureza. Vivemos uma realidade dura e difícil de ser encarada. Nossa sociedade é marcada pela desestruturação, violência e miséria. O estado capitalista faliu em sua proposta de uma sociedade de consumo e acúmulo de capital como bem supremo que garante a vida e o prazer a todos.

O acúmulo de capital e o consumo estão nas mãos de uns poucos, sendo que a maioria da população não tem acesso aos bens produzidos. O que se deu é uma perseguição ao acúmulo de capital e uma produtividade tal, que tornou o homem um ser robotizado, produzindo mercadorias, das quais pouco acesso possui por não receber salário suficiente para adquiri-las. Dentro desse processo social encontramos o ser humano alienado no trabalho e na posse dos bens, quando consegue adquiri-los.

Estabeleceu-se assim, o culto a mercadoria, onde ela passou a ter vida, é o fetichismo. Fetichismo acontece quando os objetos se tornam inanimados e sujeitos sociais, enquanto que as pessoas são reduzidas à condição de objetos. Viramos o consumidor. A vida humana perdeu seu valor. A VIDA NÃO VALE MAIS NADA por isso mata-se facilmente por causa de qualquer objeto ou mercadoria. Acontece hoje uma inversão de valores tão grande e destruidora, que a sociedade como um todo não despertou para suas conseqüências. O culto ao armamentismo que dizima vidas alheias, a perda de normas de convivência social, a luta pelo poder sem limites, o fumo que mata cada vez mais, e é tão propagado na TV como sinônimo de grandeza, saúde, prazer e masculinidade, a droga que destrói o indivíduo tem sido hoje propagada como um direito do homem ao exercício de sua liberdade. O álcool participa de todos os encontros, reuniões e confraternizações como objeto de prazer insubstituível.

Assim, o álcool, o fumo e a droga vão sendo incorporados à vida social. Fica a cargo dos meios de comunicação propagá-los e incentivar seu consumo, viraram uma mercadoria que não pode faltar nos momentos mais importantes e marcantes da vida social. Acabou por possuindo vida própria e comanda a vida das pessoas tornando-as dependentes. Dependentes e alienados do processo de construção da história. Podemos concluir que estas drogas têm uma função social que é a de alienar, por isso são tão cultuadas. E mais, o álcool, o tabaco, a cafeína e uma grande quantidade de psicofármacos, altamente adictivos e perigosos para a saúde, são utilizados, propalados inclusive idealizados até limites insuspeitados e sua comercialização, legal e ilegal, conta com a cumplicidade de todos.

“Marx nos diz que, na sociedade capitalista, os objetos materiais possuem certas características que lhes são conferidas pelas relações sociais dominantes, mas que aparecem como se lhes pertencessem naturalmente. As propriedades conferidas a objetos materiais na economia capitalista são reais e não produto da imaginação só que não são propriedades naturais. São sociais. Constituem forças reais não controladas pelos seres humanos e que, na verdade exercem controle sobre eles; são as “formas de aparência” objetivas das relações econômicas que definem o capitalismo”. (Dicionário do pensamento Marxista, pg. 149, Tom Bottomore).

Situo o alcoolismo dentro desta perspectiva Marxista visto que a ele foi conferido propriedades que nos parecem naturais. É natural ir a uma festa e beber, é natural ter nas cerimônias - religiosas (ou não) - a bebida, é natural beber no fim do expediente de trabalho, é natural beber antes de jantar, nos fins de semana. Não se programa uma festa, jantar ou reunião sem oferecer uma bebida. Tornou-se natural o uso do álcool nas relações sociais que estabelecemos com os outros.

Sutilmente o álcool vai entrando em nossas vidas e em nossas relações. Sutilmente ele entra nas casas, nas vidas das pessoas, pela TV, pelas revistas e pelas propagandas induzindo o consumo do álcool. Algumas cenas da televisão, em novelas, chegam a mostrar o indivíduo através do copo de whisky sendo que o foco é a bebida, ou seja, ela é que dá o significado ao indivíduo e este é um mero objeto visto do outro lado. O culto que se faz à bebida na TV é grande.

Nós o adquirimos e ele passa a participar do nosso dia-a-dia.

Desde pequena a criança se acostuma com a bebida alcoólica como natural dentro de casa e na mesa.

Acontece que nenhuma droga mata mais que o álcool. Nem mesmo o crack, quem afirma são os especialistas que lidam diariamente com o consumo de drogas e as causas de mortes. “Em termos de drogas, não tem nada que mate mais que o álcool” diz o médico Marcos Drumond (Folha de São Paulo), o álcool é mais danoso a sociedade do que ao usuário em si, como é o caso do crack. Ele é responsável pela maioria dos acidentes de trânsito, dos atropelamentos, das mortes devido a brigas em bares, pela violência doméstica, pelo abuso sexual tanto de crianças como de mulheres, e pela desestruturação de muitas famílias.

As bebidas alcoólicas estão entre os produtos mais anunciados nos horários nobres das Tv’s. Sem contar nas propagandas indiretas, em novelas e filmes. Devido a isso, encontramos hoje crianças de 12 ou 13 anos se iniciando no consumo de álcool e até menores do que esta idade, há casos de crianças de 7 e 8 anos já alcoólatras. A sociedade não se dá conta que é ela quem legitima o uso e o abuso do álcool, já que ele é uma mercadoria “natural” e desde crianças nos acostumamos a vê-lo através das propagandas, nas festas e na mesa de refeições. Dificilmente não existe uma bebida dentro de uma casa. Somente quando houve uma experiência bastante dolorosa com ela, é que é banida do lar.

Como faz parte de nossa cultura ter a bebida mediando nossas relações é difícil conscientizar o perigo que ela pode se tornar para o indivíduo e para a sociedade. Só se toma consciência quando ela passa a destruir estas relações. Nem todos se tornam alcoolistas, mas um grande número tem se tornado. Isso tem aumentado com a atual desestruturação social.

 

 

III-O ALCOOLISTA

 

A) Processo Psicológico

Segundo Bucher (1985, pg. 71) há uma diferença entre o alcoolista e o drogado toxicômano, visto que o primeiro inscreve-se não somente na legalidade, mas também no circuito comercial oficializado pelo incentivo ao consumo, assim ele ainda participa da sociedade de consumo e se deixa controlar por ela, embora situando-se às suas margens, ele não é uma ameaça para esse sistema como o drogado o é e não é preciso persegui-lo como elemento desestabilizador da sua política e da sua ideologia.

Portanto para fazer a análise do fenômeno do alcoolismo é preciso considerar três fatores importantes, a personalidade (fator psicológico), o momento sócio-cultural (aspectos social, cultural e econômico) e o produto (bebidas alcoólicas), os dois últimos já apareceram no item anterior. Neste momento pretendo abordar o desenvolvimento da personalidade alcoólica.

O alcoolismo, como drogadição, pode ser interpretado em termos de fixação oral, segundo a psicanálise. Os fatores desencadeantes se localizam na área de desenvolvimento da libido da pessoa em questão. Na base de toda toxicomania - legal ou ilegal - há uma “depressão tensa”, sendo a intolerância ao sofrimento uma de suas características. A ingestão do álcool neutraliza esse sofrimento, produzindo euforia ou estimulação. O ego reencontra a satisfação narcisista perdida. Kielholz (em Kalina, E., 1983, pg. 28) considerou o alcoolismo uma neurose narcisista relacionada com a psicose maníaca depressiva. Quando a satisfação narcisista acaba é que sobrevém a depressão e a necessidade de se libertar dela. O ego entra numa estrutura cíclica caracterizada por reencontros mágicos e extravios trágicos.

Um dos efeitos do álcool é o de diminuir, em certos indivíduos, os estados de angústia ou depressão, enquanto que em outros, os intensifica perigosamente. O indivíduo acredita que ingerindo uma dose letal ou não, irá se libertar definitivamente da depressão.

O Alcoolista é um melancólico. A ação do álcool, deste ponto de vista, age sobre seu superego, fundamentalmente, neutraliza-o pelo efeito letárgico que produz. O ego reencontra a auto-estima perdida através de um processo repressivo que vai fazendo do alcoolista uma criança cada vez mais narcisista que organiza a sua atividade consciente obedecendo ao princípio do prazer infantil.

O efeito neutralizador do álcool sobre o superego, suprime a pressão deste sobre o ego, produz-se no alcoolista a diminuição da tensão e do sofrimento que o atormentam nos estados de sobriedade.

A embriagues é um estado maníaco na base do qual há a depressão. Do ponto de vista simbólico, o álcool representa o leite desejado e constitui, em conseqüência um sucedâneo da mãe. A grande maioria dos alcoolistas apresenta características maníaco-depressivas com necessidades de dependência oral não resolvidas.

A fixação oral seria o resultado de uma separação hostil da criança do seio materno, de acordo com a teoria de M. Klein. E fica difícil para tolerar ingressar na posição depressiva devido à separação. O álcool, como o seio, é um objeto idealizado e sua ingestão é feita com a ilusão de eliminar a ansiedade paranoide produzida pela ameaça constante do núcleo psicótico que se forma nesta fase. A eliminação dessa ansiedade equivale à superação da fragilidade do ego. A embriagues se torna um caminho efetivo para evitar a desintegração psicótica. Todo adido ingere drogas para se sobrepor a uma vivência persecutória de desintegração. Assim, o indivíduo com um ego frágil tem medo de se desintegrar por causa da dor e do sofrimento e para fugir desta experiência se embriaga.

A personalidade adicta não suporta perdas, não suporta pressões e não suporta o sofrimento que os dois produzem. Com o álcool consegue eliminar a ansiedade da espera e a angústia da frustração. O que está por trás de tudo isso é um ego frágil. Na realidade, existe nesse indivíduo uma excessiva porosidade na parte neurótica, e uma ameaça constante de invasão do núcleo psicótico nela. O consumo de álcool serve para tampar estas fendas do ego.

O consumo de álcool não provém da falta de reflexão do indivíduo e sim da falta de um ego adequado para poder pensar. Querer pensar, no alcoólatra, equivale a não pensar. Esta impotência acaba numa atuação, a ingestão alcoólica, e uma conduta impulsiva “protege” o alcoolista da depressão.

Na origem de todo problema do alcoolismo e da droga encontramos dois fenômenos importantes: a história do indivíduo e a crise que o mundo atual está atravessando. O toxicômano tem padrões de conduta, necessidades e motivações, que entram em choque com muitas contradições que assolam o mundo atual. Ele próprio é produto e conseqüência de uma sociedade contraditória e dividida, que exerce uma influência profunda e direta sobre o núcleo familiar do qual ele provém. A raiz dos conflitos que o atormentam se desenvolve precocemente na infância, resultado precário e insatisfatório com os pais e o meio.

Para suportar a tensão gerada pela não resolução das ansiedades básicas da vida, este tipo de personalidade busca compensações acessórias, um substituto, com o qual ele acredita poderá encontrar um estado de equilíbrio e tranqüilidade, e uma resolução satisfatória da tensão.

Uma personalidade equilibrada é aquela onde há tolerância à frustração e capacidade de esperar, assim se pode chegar a atingir uma meta que se almeja. Uma personalidade psicopatológica propensa ao consumo de drogas, como o álcool, não apresenta esta condição, ao contrário, a fraqueza é, dos elementos que a definem, o mais acentuado.

Tudo isso vai se desenvolvendo dentro do núcleo familiar e no meio em que vive esse tipo de indivíduo. Abordaremos mais adiante, a influência da família no desenvolvimento da personalidade alcoólica.

B) Processo orgânico[1]

O alcoolismo é genético?

 
Esta pergunta bastante antiga vem sendo mais bem estudada nas últimas décadas através de estudos com gêmeos, e será mais aprofundada com o projeto genoma. A influência familiar do alcoolismo é um fato já conhecido e aceito. O que se pergunta é se o alcoolismo ocorre por influência do convívio ou por influência genética. Para responder a essa pergunta a melhor maneira é a verificação prática da influência, o que pode ser feito, estudando os filhos dos alcoólatras. Estudos como esses podem investigar os gêmeos monozigóticos (idênticos) e os dizigóticos. Constatou-se que quando um dos gêmeos idênticos se torna alcoólatra o irmão se torna mais freqüentemente alcoólatra do que os irmãos gêmeos não idênticos. Essa constatação mostra a influência genética real, mas não explica porque, mesmo tendo os "gens do alcoolismo", uma pessoa não se torna alcoólatra. Os estudos familiares mostraram que a participação genética é inegável, mas apenas parcial, os demais fatores que levam ao desenvolvimento do alcoolismo não estão suficientemente claros. Estudos mostram que a deficiência de serotonina (substância produzida pelo cérebro e responsável pelo bem estar do indivíduo) se faz presente nos casos de dependência alcoólica. Sendo a serotonina insuficiente o indivíduo busca seu bem estar no álcool. Indivíduos assim são melancólicos e depressivos ou apresentam um nível de ansiedade muito alto. A ansiedade é uma sensação difusa, inexplicável, que provoca sintomas diferentes para cada pessoa: falta de ar, taquicardia, nervosismo, suores, problemas digestivos (prisão de ventre, enjôos, gases), fome exagerada (gula), medos que se tornam irracionais e sem sentido, ficar irritado e provocar brigas e discussões por nada, ingestão exagerada de bebidas alcoólicas ou calmantes, etc... Indivíduos com este quadro, ao invés de buscar as causa de sua ansiedade, tendem a buscar no álcool o prazer e a tranqüilidade que não sentem naturalmente.

 

As mulheres são mais vulneráveis ao álcool que os homens?

 
Aparentemente as mulheres são mais vulneráveis sim. Elas atingem concentrações sanguíneas de álcool mais altas com as mesmas doses quando comparadas aos homens. Parece também que sob a mesma carga de álcool os órgãos das mulheres são mais prejudicados do que o dos homens. A idade onde se encontra a maior incidência de alcoolismo feminino está entre 26e 34 anos, principalmente entre mulheres separadas. Se a separação foi causa ou efeito do alcoolismo isto ainda não está claro. As conseqüências do alcoolismo sobre os órgãos são diferentes nas mulheres: elas estão mais sujeitas a cirrose hepática do que o homem. Alguns estudos mostram que o consumo moderado de álcool diário aumenta as chances de câncer de mama. Um drink por dia não afeta a incidência desse câncer.

 

Filhos de Alcoólatras

 
Milhões de crianças e adolescentes convivem com algum parente alcoólatra no Brasil. As estatísticas mostram que eles estarão mais sujeitos a problemas emocionais e psiquiátricos do que a população desta faixa etária não exposta ao problema, o que de forma alguma significa que todos eles serão afetados. Na verdade 59% não desenvolvem nenhum problema. O primeiro problema que podemos citar é a baixa auto-estima e auto-imagem com conseqüentes repercussões negativas sobre o rendimento escolar e demais áreas do funcionamento mental. Esses adolescentes e crianças tendem quando examinados a subestimarem suas próprias capacidades e qualidades. Outros problemas comuns em filhos e parentes de alcoólatras são persistência em mentiras, roubo, conflitos e brigas com colegas, vadiagem e problemas com o colégio.

 

O estresse pode provocar alcoolismo?

 

O estresse não determina o alcoolismo, mas estudos mostraram que pessoas submetidas a situações estressantes para as quais não encontra alternativa, tornam-se mais freqüentemente alcoólatras. O álcool possui efeito relaxante e tranqüilizante semelhante ao dos ansiolíticos. O problema é que o álcool tem muito mais efeitos colaterais que os ansiolíticos. Numa situação dessas o uso de ansiolíticos poderia prevenir o surgimento de alcoolismo. Na verdade o que se encontra é a vontade de abolir as preocupações com a embriaguez e isso os ansiolíticos não proporcionam, ou o fazem em doses que levariam ao sono. O homem quando submetido a estresse tende a procurar não a tranqüilidade, mas o prazer. Daí que a vida sexualmente promíscua muitas vezes é acompanhada de abuso de álcool e drogas. O fato de uma pessoa não encontrar uma solução para seu estresse não significa que a solução não exista. A terapia, por exemplo, ajuda o paciente a encontrar um significado na sua angústia. Muitas vezes ela encontra as raízes dessa angustia e ajuda a eliminá-la, mas quando não suprime a fonte da angústia, mas a torna mais suportável. Quando uma dor adquire um sentido, torna-se possível contorná-la, continuar a vida com um sorriso, desde que ela não seja incapacitante. Sob esse aspecto a terapia pode ajudar a vencer o alcoolismo nas suas etapas iniciais, quando ainda não surgiu dependência química. Uma situação de estresse real que passamos atualmente é o desemprego. Este problema social é de difícil resolução e geralmente faz com que as pessoas se ajustem às custas de elevação da tensão emocional prolongada, que é a mesma coisa de estresse.

Recaída

A taxa de recaída (voltar a beber depois de ter se tornado dependente e parado com o uso de álcool) é muito alta: aproximadamente 90% dos alcoólatras voltam a beber nos 4 anos seguintes a interrupção, quando nenhum tratamento é feito. A semelhança com outras formas de dependência como a nicotina, tranqüilizantes, estimulantes, etc, levam a crer que um há um mecanismo psicológico (cognitivo) em comum. O dependente que consiga manter-se longe do primeiro gole terá mais chances de contornar a recaída. O aspecto central da recaída é o chamado "craving", palavra sem tradução para o português que significa uma intensa vontade de voltar a consumir uma droga pelo prazer que ela causa. O craving é a dependência psicológica propriamente dita.

 

C) Processo Desintegrador e Problemas Clínicos:

 

Ocorre uma desintegração tanto a nível neurológico, orgânico e social no indivíduo que sofre do alcoolismo. Diversos são os problemas causados pela bebida alcoólica, elencarei alguns superficialmente.

 

Sistema Nervoso - Amnésias nos períodos de embriaguez acontecem em 30 a 40% das pessoas no fim da adolescência e início da terceira década de vida: provavelmente o álcool inibe algum dos sistemas de memória impedindo que a pessoa se recorde de fatos ocorridos durante o período de embriaguez. Induz a sonolência, mas o sono sob efeito do álcool não é natural, tendo sua estrutura registrada no eletroencefalograma alterado. Entre 05 e 15% dos alcoólatras apresentam neuropatia periférica. Este problema consiste num permanente estado de hipersensibilidade, dormência, formigamento nas mãos, pés ou ambos. Nas síndromes alcoólicas podem-se encontrar quase todas as patologias psiquiátricas: estados de euforia patológica, depressões, estados de ansiedade na abstinência, delírios e alucinações, perda de memória e comportamento desajustado.

 
Sistema Gastrintestinal - Grande quantidade de álcool ingerida de uma vez pode levar a inflamação no esôfago e estômago o que pode levar a sangramentos além de enjôo, vômitos e perda de peso. Esses problemas costumam ser reversíveis, mas as varizes decorrentes de cirrose hepática além de irreversíveis, são potencialmente fatais devido ao sangramento de grande volume que pode acarretar. Pancreatites agudas e crônicas são comuns nos alcoólatras constituindo-se uma emergência à parte. A cirrose hepática (doença no fígado) é um dos problemas mais falados do alcoolismo; é um problema irreversível e incompatível com a vida, levando o alcoólatra lentamente à morte.

 
Câncer - Os alcoólatras estão 10 vezes mais sujeitos a qualquer forma de câncer que a população em geral.

 
Sistema Cardiovascular - Doses elevadas por muito tempo provocam lesões no coração provocando arritmias e outros problemas como trombos e derrames conseqüentes. É relativamente comum a ocorrência de um acidente vascular cerebral após a ingestão de grande quantidade de bebida. Além disso, há alteração na pressão sanguínea do indivíduo alcoólatra elevando o risco de enfartos.

 
Hormônios Sexuais - O metabolismo do álcool afeta o balanço dos hormônios reprodutivos no homem e na mulher. No homem o álcool contribui para lesões testiculares o que prejudica a produção de testosterona e a síntese de esperma. Já com cinco dias de uso contínuo de 220 gramas de álcool os efeitos acima mencionados começam a se manifestar e continua a se aprofundar com a permanência do álcool. Essa deficiência contribui para a feminilização dos homens, com o surgimento, por exemplo, de ginecomastia (presença de mamas no homem).

 
Hormônios Tireoideanos - Não há evidências de que o alcoolismo afete diretamente os níveis dos hormônios tireoideanos. Há pacientes alcoólatras que apresentam alterações tanto para mais como para menos nos níveis desses hormônios; presume-se que quando isso ocorre seja de forma indireta por afetar outros sistemas do corpo.

 
Hormônio do crescimento - Alterações são observadas em indivíduos que abusam de álcool, mas essas alterações não provocam problemas detectáveis como inibição do crescimento ou baixa estatura, pelo menos até o momento.

 
Hormônio Antidiurético - Esse hormônio inibe a perda de água pelos rins, o álcool inibe esse hormônio: como resultado a pessoa perde mais água que o habitual urina mais, o que pode levar a desidratação.

 
Ociticina - Esse hormônio é responsável pelas contrações do útero no parto. O álcool tanto pode inibir um parto prematuro como atrapalhar um parto a termo, podendo tanto ser terapêutico como danoso.


Insulina - O álcool não afeta diretamente os níveis de insulina: quando isso acontece é por causa de uma possível pancreatite que é outro processo distinto. A diminuição do açúcar no sangue não se deve a ação do álcool sobre a insulina ou sobre o glucagon (outro hormônio envolvido no metabolismo do açúcar).

 
Gastrina - Este hormônio estimula a secreção de ácido no estômago preparando-o para a digestão. O principal estímulo para a secreção de gastrina é a presença de alimentos no estômago, principalmente as proteínas. É controverso o efeito do álcool sobre a gastrina, alguns pesquisadores dizem que o álcool não provoca sua liberação, outros dizem que provoca, o que levaria ao aumento da acidez estomacal. Podem provocar úlceras no aparelho digestivo.

 

Problemas Psiquiátricos Causados pelo Alcoolismo

 

Abuso de Álcool - A pessoa que abusa de álcool não é necessariamente alcoólatra, ou seja, dependente e faz uso continuado. O critério de abuso existe para caracterizar as pessoas que eventualmente, mas recorrentemente têm problemas por causa dos exagerados consumos de álcool em curtos períodos de tempo. Critérios: para se fazer esse diagnóstico é preciso que o paciente esteja tendo problemas com álcool durante pelo menos 12 meses e ter pelo menos uma das seguintes situações: a) prejuízos significativos no trabalho, escola ou família como faltas ou negligências nos cuidados com os filhos. b) exposição a situações potencialmente perigosas como dirigir ou manipular máquinas perigosas embriagado. c) problemas legais como desacato a autoridades ou superiores. d) persistência no uso de álcool apesar do apelo das pessoas próximas em que se interrompa o uso.


Dependência ao Álcool - Para se fazer o diagnóstico de dependência alcoólica é necessário que o usuário venha tendo problemas decorrentes do uso de álcool durante 12 meses seguidos e preencher pelo menos 3 dos seguintes critérios: a) apresentar tolerância ao álcool -- marcante aumento da quantidade ingerida para produção do mesmo efeito obtido no início ou marcante diminuição dos sintomas de embriaguez ou outros resultantes do consumo de álcool apesar da continua ingestão de álcool. b) sinais de abstinência -- após a interrupção do consumo de álcool a pessoa passa a apresentar os seguintes sinais: sudorese excessiva, aceleração do pulso (acima de 100), tremores nas mãos, insônia, náuseas e vômitos, agitação psicomotora, ansiedade, convulsões, alucinações táteis. A reversão desses sinais com a reintrodução do álcool comprova a abstinência. Apesar do álcool "tratar" a abstinência o tratamento de fato é feito com diazepam ou clordiazepóxido dentre outras medicações. c) o dependente de álcool geralmente bebe mais do que planejava beber d) persistente desejo de voltar a beber ou incapacidade de interromper o uso. e) emprego de muito tempo para obtenção de bebida ou recuperando-se do efeito. f) persistência na bebida apesar dos problemas e prejuízos gerados como perda do emprego e das relações familiares.


Abstinência alcoólica - A síndrome de abstinência constitui-se no conjunto de sinais e sintomas observado nas pessoas que interrompem o uso de álcool após longo e intenso uso. As formas mais leves de abstinência se apresentam com tremores, aumento da sudorese, aceleração do pulso, insônia, náuseas e vômitos, ansiedade depois de 6 a 48 horas desde a última bebida. A síndrome de abstinência leve não precisa necessariamente surgir com todos esses sintomas, na maioria das vezes, inclusive, limita-se aos tremores, insônia e irritabilidade. A síndrome de abstinência torna-se mais perigosa com o surgimento do delirium tremens. Nesse estado o paciente apresenta confusão mental, alucinações, convulsões. Geralmente começa dentro de 48 a 96 horas a partir da ultima dose de bebida. Dada a potencial gravidade dos casos é recomendável tratar preventivamente todos os pacientes dependentes de álcool para se evitar que tais síndromes surjam. Para se fazer o diagnóstico de abstinência, é necessário que o paciente tenha pelo menos diminuído o volume de ingestão alcoólica, ou seja, mesmo não interrompendo completamente é possível surgir a abstinência. Alguns pesquisadores afirmam que as abstinências tornam-se mais graves na medida em que se repetem, ou seja, um dependente que esteja passando pela quinta ou sexta abstinência estará sofrendo os sintomas mencionados com mais intensidade, até que surja um quadro convulsivo ou de delirium tremens. As primeiras abstinências são menos intensas e perigosas.


Delirium Tremens - O Delirium Tremens é uma forma mais intensa e complicada da abstinência. Delirium é um diagnóstico inespecífico em psiquiatria que designa estado de confusão mental: a pessoa não sabe onde está, em que dia está, não consegue prestar atenção em nada, tem um comportamento desorganizado, sua fala é desorganizada ou ininteligível, a noite pode ficar mais agitado do que de dia. A abstinência e várias outras condições médicas não relacionadas ao alcoolismo podem causar esse problema. Como dentro do estado de delirium da abstinência alcoólica são comuns os tremores intensos ou mesmo convulsão, o nome ficou como Delirium Tremens. Um traço comum no delírio tremens, mas nem sempre presente são as alucinações táteis e visuais em que o paciente "vê" insetos ou animais asquerosos próximos ou pelo seu corpo. Esse tipo de alucinação pode levar o paciente a um estado de agitação violenta para tentar livrar-se dos animais que o atacam. Pode ocorrer também uma forma de alucinação induzida, por exemplo, o entrevistador pergunta ao paciente se está vendo as formigas andando em cima da mesa sem que nada exista e o paciente passa a ver os insetos sugeridos. O Delirium Tremens é uma condição potencialmente fatal, principalmente nos dias quentes e nos pacientes debilitados. A fatalidade quando ocorre é devida ao desequilíbrio hidro-eletrolítico do corpo.

 
Intoxicação pelo álcool - O estado de intoxicação é simplesmente a conhecida embriaguez, que normalmente é obtida voluntariamente. No estado de intoxicação a pessoa tem alteração da fala (fala arrastada), descoordenação motora, instabilidade no andar, nistagmo (ficar com olhos oscilando no plano horizontal como se estivesse lendo muito rápido), prejuízos na memória e na atenção, estupor ou coma nos casos mais extremos. Normalmente junto a essas alterações neurológicas apresenta-se um comportamento inadequado ou impróprio da pessoa que está intoxicada. Uma pessoa muito embriagada geralmente encontra-se nessa situação porque quis, uma leve intoxicação em alguém que não está habituado é aceitável por inexperiência, mas, não no caso de alguém que conhece seus limites.


Wernicke-Korsakoff (síndrome amnéstica) - Os alcoólatras "pesados" em parte (10%) desenvolvem algum problema grave de memória. Há dois desses tipos: a primeira é a chamada Síndrome Wernicke-Korsakoff (SWK) e a outra a demência alcoólica. A SWK é caracterizada por descoordenação motora, movimentos oculares rítmicos como se estivesse lendo (nistagmo) e paralisia de certos músculos oculares, provocando algo parecido ao estrabismo para quem antes não tinha nada. Além desses sinais neurológicos o paciente pode estar em confusão mental, ou se com a consciência clara, pode apresentar prejuízos evidentes na memória recente (não consegue gravar o que o examinador falou 5 minutos antes) e muitas vezes para preencher as lacunas da memória o paciente inventa histórias, a isto chamamos fabulações. Este quadro deve ser considerado uma emergência, pois requer imediata reposição da vitamina B1(tiamina) para evitar um agravamento do quadro. Os sintomas neurológicos acima citados são rapidamente revertidos com a reposição da tiamina, mas o déficit da memória pode se tornar permanente. Quando isso acontece o paciente apesar de ter a mente clara e várias outras funções mentais preservadas, torna-se uma pessoa incapaz de manter suas funções sociais e pessoais. Muitos autores referem-se a SWK como uma forma de demência, o que não está errado, mas a demência é um quadro mais abrangente, por isso preferimos o modelo americano que diferencia a SWK da demência alcoólica.


Síndrome Demencial Alcoólica - Esta é semelhante a demência propriamente dita como a de Alzheimer. No uso pesado e prolongado do álcool, mesmo sem a síndrome de Wernick-Korsakoff, o álcool pode provocar lesões difusas no cérebro prejudicando além da memória a capacidade de julgamento, de abstração de conceitos; a personalidade pode se alterar, o comportamento como um todo fica prejudicado. A pessoa torna-se incapaz de sustentar-se. Além disso, o sujeito pode desenvolver uma psicose, e a mais comum é a esquizofrenia. 

 

Síndrome de abstinência fetal - A Síndrome de Abstinência Fetal descrita pela primeira vez em 1973 era considerada inicialmente uma conseqüência da desnutrição da mãe, posteriormente viu-se que os bebês das mães alcoólatras apresentavam problemas distintos dos bebês das mães desnutridas, além de outros problemas que esses não tinham. Constatou-se assim que os recém-natos das mães alcoólatras apresentam um problema específico sendo então denominada Síndrome de Abstinência Fetal (SAF). As características da SAF são: baixo peso ao nascer, atraso no crescimento e no desenvolvimento, anormalidades neurológicas, prejuízos intelectuais, más formações do esqueleto e sistema nervoso, comportamento perturbado, modificações na pálpebra deixando os olhos mais abertos que o comum, lábio superior fino e alongado. O retardo mental e a hiperatividade são os problemas mais significativos da SAF. Mesmo não havendo retardo é comum ainda o prejuízo no aprendizado, na atenção e na memória; e também descoordenação motora, impulsividade, problemas para falar e ouvir. O déficit de aprendizado pode persistir até a idade adulta.

 

Alcoolismo e desnutrição - As principais funções do processo alimentar são a manutenção da estrutura corporal e das necessidades energéticas diárias. Uma alimentação equilibrada proporciona o que precisamos. O álcool é uma substância bastante energética, em épocas passadas, chegou a ser usado em pacientes após cirurgias para uma reposição mais rápida da energia perdida na cirurgia. Apesar de altamente calórico o álcool não é armazenável. Não fossem os efeitos prejudiciais ao longo do tempo, o álcool seria um excelente meio de perder peso. Para que se possa entender como o álcool fornece energia e ao mesmo tempo não é armazenável é necessário entender seu mecanismo metabólico o que não será abordado aqui. Pelo fato do usuário de álcool possuir suas necessidades energéticas supridas ele não sente muita ou nenhuma fome, assim não há vontade de comer. A diminuição da oferta das substâncias (proteínas, açucares, gorduras, vitaminas e minerais) usadas na constante reconstrução dos tecidos, não interrompe o processo de destruição natural das células que estão sendo substituídas constantemente. Assim o corpo do alcoólatra começa a se consumir. Esse processo leva a desnutrição.

 

Testes Neuropsicológicos - Os pacientes alcoólatras confirmados ao se submeterem a testes de inteligência apresentam 45 a 70% normais. Contudo, esses mesmos ao fazerem testes mais específicos em determinadas áreas do funcionamento mental, como a capacidade de resolver problemas, pensamento abstrato, desempenho psicomotor, memória e capacidade de lidar com novidades costumam apresentar problemas. Os testes normalmente representam atividades desempenhadas diariamente e não situações especiais ou raras. Este resultado mostra que os testes superficiais deixam passar comprometimentos significativos. Os testes neuropsicológicos são mais adequados e precisos na medição de capacidades mentais comprometidas pelo álcool. Tem sido observado também que no cérebro dos alcoólatras ocorrem modificações na estrutura apresentada nos exames de tomografia ou ressonância, além de comprometimento na vascularização e nos padrões elétricos. Como esses achados são recentes, não houve tempo para se estudar a relação entre essas alterações laboratoriais e os prejuízos psicológicos que eles representam.

 

Efeitos do Álcool sobre o Cérebro - Os resultados de exames pós-mortem (necropsia) mostram que pacientes com história de consumo prolongado e excessivo de álcool têm o cérebro menor, mais leve e encolhido do que o cérebro de pessoas sem história de alcoolismo. Esses achados continuam sendo confirmados pelos exames de imagem como a tomografia, a ressonância magnética e a tomografia por emissão de fótons. O dano físico direto do álcool sobre o cérebro é um fato já inquestionavelmente confirmado. A parte do cérebro mais afetada costumam ser o córtex pré-frontal, a região responsável pelas funções intelectuais superiores como o raciocínio, capacidade de abstração de conceitos e lógica. Os mesmos estudos que investigam as imagens do cérebro identificam uma correspondência linear entre a quantidade de álcool consumida ao longo do tempo e a extensão do dano cortical. Quanto mais álcool mais dano. Depois do córtex, regiões profundas seguem na lista de mais acometidas pelo álcool: as áreas envolvidas com a memória e o cerebelo que é a parte responsável pela coordenação motora.

 

O Processo Metabólico do Álcool - Quando o álcool é consumido passa pelo estômago e começa a ser absorvido no intestino caindo na corrente sanguínea. Ao passar pelo fígado começa a ser metabolizado, ou seja, a ser transformado em substâncias diferentes do álcool e que não possuem os seus efeitos. A primeira substancia formada pelo álcool chama-se acetaldeído, que é depois convertido em acetado por outras enzimas, essas substâncias assim com o álcool excedente são eliminados pelos rins; as que eventualmente voltam ao fígado acabam sendo transformadas em água e gás carbônico expelido pelos pulmões. A passagem do intestino para o sangue se dá de acordo com a velocidade com que o álcool é ingerido, já o processo de degradação do álcool pelo fígado obedece a um ritmo fixo podendo ser ultrapassado pela quantidade consumida. Quando isso acontece temos a intoxicação pelo álcool, o estado de embriaguez. Isto significa que há muito álcool circulando e agindo sobre o sistema nervoso além dos outros órgãos. Como a quantidade de enzimas é regulável, um indivíduo, com uso contínuo de álcool acima das necessidades estará produzindo mais enzimas metabolizadoras do álcool, tornando-se assim mais "resistente" ao álcool. A presença de alimentos no intestino lentifica a absorção do álcool. Quanto mais gordura houver no intestino, mais lenta se tornará a absorção do álcool. Apesar do álcool ser altamente calórico (um grama de álcool tem 7,1 calorias; o açúcar tem 4,5), ele não fornece material estocável; assim a energia oferecida pelo álcool é utilizada enquanto ele circula ou é perdida. A famosa "barriga de chop" é dada mais pelos aperitivos que acompanham a bebida.

 

Conseqüências corporais do alcoolismo - À medida que o alcoolismo avança, as repercussões sobre o corpo se agravam. Os órgãos mais atingidos são: o cérebro, trato digestivo, coração, músculos, sangue, glândulas hormonais. Como o álcool dissolve o mucus do trato digestivo, provoca irritação na camada externa de revestimento que pode acabar provocando sangramentos. A maioria dos casos de pancreatite aguda (75%) é provocada por alcoolismo. As afecções sobre o fígado podem ir de uma simples degeneração gordurosa à cirrose que é um processo irreversível e incompatível com a vida. O desenvolvimento de patologias cardíacas pode levar 10 anos por abusos de álcool e ao contrário da cirrose pode ser revertida com a interrupção do vício. Os alcoólatras tornam-se mais susceptíveis a infecções porque suas células de defesas são em menor número. O álcool interfere diretamente com a função sexual masculina, com infertilidade por atrofia das células produtoras de testosterona, e diminuição dos hormônios masculinos. O predomínio dos hormônios femininos nos alcoólatras do sexo masculino leva ao surgimento de características físicas femininas como o aumento da mama (ginecomastia). O álcool pode afetar o desejo sexual e levar a impotência por danos causados nos nervos ligados a ereção. Nas mulheres o álcool pode afetar a produção hormonal feminina levando diminuição da menstruação, infertilidade e afetando as características sexuais femininas.

 

 

IV - A FAMÍLIA DO ALCOOLISTA

 

A família é a instituição primeira a mediatizar a cultura. Ela hoje está em profunda crise devido à mudança da sociedade.

A família, tradicional ou como estrutura semelhante, é uma necessidade real dos seres humanos. Ela nutre, especialmente no afetivo, e, portanto, requer uma constância no tempo, na qualidade das relações e no amor parental. A única coisa impossível de ser substituída na vida é o amor. A carência de amor não pode ser substituída por nada. Aqui encontramos outro fator para as causas de todo tipo de drogadição. A falta de amor em uma de suas formas mais triste de depressão é o abandono precoce. Abandono não só como afastamento físico, mas, como afastamento do amor, dos cuidados e da proteção.

A família, ou seus equivalentes, é co-geradora do fenômeno adictivo. Onde existem adictos, encontramos famílias nas quais estão presentes a droga ou os modelos adictivos de conduta, como técnica de sobrevivência por um ou mais membros. O modelo adictivo é oferecido ao ser em desenvolvimento. Com ou sem drogas, já que o trabalho, a comida, o jogo, podem ser equivalentes delas. Os que exercem estes modelos de conduta são emissores de duplas mensagens, que na verdade se torna um modelo indutor por excelência. Assim, uma mãe ou um pai que comem sem parar, viciam em jogos, se atiram num ativismo, tomam drogas para emagrecer, pílulas e outras coisas semelhantes, instalam na criança desde pequena o mesmo padrão de conduta. Mesmo que diga “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”, ou seja, eu uso “drogas” mas você não deve fazê-lo, a todo o tempo estão passando mensagens indutoras do mesmo comportamento. Por isso encontramos, no caso do alcoolismo, a repetição dos padrões através das gerações.

E. Kalina em Drogadição II, fala de um pacto perverso onde o filho passa a ser um fator de equilíbrio no sistema familiar, ele é quem deve acalmar quando há o desequilíbrio entre pai e mãe. Desta forma o filho converte-se, desde o nascimento, na “droga” da mãe e sofre o primeiro abandono, pois não é atendido por ele mesmo em função de suas necessidades, mas as das da mãe. O pai passa a desempenhar um papel superficial, começa a fazer vista grossa no vínculo simbiótico que começa a surgir entre mãe/filho. Não intervém para cortar o cordão umbilical psicológico como deveria, e ao contrário, afasta-se utilizando racionalizações - precisa trabalhar - e afasta-se do lar.

Com uma mãe depressiva incapaz de sustentar-se e um pai fraco surge o “Eu fraco” do adicto, com uma incapacidade de tolerar a espera, devido o risco de fraturar-se pela ansiedade. Não sabe governar-se, é um dependente da mãe, que por sua vez é dependente dele. Assim, podemos falar de uma família disfuncional. A família disfuncional é aquela que está impedida de crescer e mudar. É aquela que se mantêm por repetições de padrões de conduta. Acontece uma reciprocidade e complementaridade das necessidades, anseios e medos entre os membros. (Pincus & Dare, 1987)

Tudo isso culmina num pacto criminoso que só a morte pode equilibrar ou calibrar a vida familiar. O filho se torna o eleito e mais do que um ser, um outro, é um apêndice a serviço das necessidades dos pais. Tarefa difícil que termina num abandono; numa separação ou numa doença invalidante no filho: a adicção. Esta última funcionará como mantenedora das relações familiares. São efetuados acordos totalmente inconscientes para sustentar esta estrutura familiar.

Desfazer estes acordos significa dar consciência à família do papel que a adição exerce nela e da utilidade que o uso dela tem para cada membro da mesma.

Sem isso vemos que a família deixa de ser para o filho a mediação protetora entre ele e a realidade social, o seu sentimento é de orfandade, isso se transforma numa urgente necessidade de encontrar parâmetros que orientem suas ações. E poderá encontrá-lo na drogadição.

 

 

V-TRATAMENTO

 

A patologia toxicômano não se limita em fazer uma distinção entre drogas legais e ilegais, visto que ela pode chegar a uma tríade ameaçadora, a saber, dependência, loucura e morte. Portanto é mais indicado levar em conta para o tratamento, distinguir entre uso e abuso de drogas, entre usuários circunstanciais (ou “recreativos”) e dependentes de um consumo contínuo ou crescente. Para os usuários circunstanciais a medida necessária é a preventiva. Quando mais informações, (consciência) sobre as conseqüências da dependência mais possibilidades de prevenir. A prevenção deve ocorrer principalmente nas Escolas e Centros de Saúde com grupos de adolescentes e pais.

Quanto aos já dependentes, o tratamento deve ser outro. Devido à complexidade do alcoolismo, visto que ele não se restringe apenas à pessoa dependente do álcool, mas também existem os fatores social, cultural e econômico, alguns modelos de atendimento podem não ser os mais adequados, causando assim, o retorno ao alcoolismo.

É preciso lembrar que o alcoolismo pode ser visto como uma doença onde o indivíduo não consegue abster-se do álcool. Ë uma doença progressiva e não regressiva. Uma vez desencadeada a doença ela não tem mais cura e sim tratamento. Um indivíduo que foi dependente de álcool pode retornar onde parou se voltar a beber. O tratamento precisa levar esta consciência ao sujeito que procura ajuda. Se ele para e volta a beber, mesmo que pense que conseguirá beber somente um pouco ele está se arriscando a voltar onde parou.

Este trabalho propõe, dentro dos vários modelos existentes, dois tipos de tratamento, um para o alcoolista e outro para a família, sendo que para o alcoolista duas medidas podem ser necessárias:

1. Desintoxicação

        A pessoa do alcoolista precisa ser conscientizada sobre a necessidade de desintoxicação como primeiro passo na cura do alcoolismo. A desintoxicação precisa ser desejada, quando é possível conscientizar o indivíduo, senão ela terá uma conotação de punição por transgressões cometidas. Se assim for, ao sair do hospital o indivíduo pode, movido por um desânimo e uma mágoa profunda, voltar a alcoolizar-se em conseqüência das desestruturações e mutilações sofridas. De fato, estas desintoxicações, quando realizadas sob um enfoque meramente médico-orgânico, na ignorância dos aspectos psicossociais e dos valores da pessoa humana, produzem mutilações psicológicas profundas. Estas não somente pode levar o indivíduo a recorrer rapidamente ao álcool de novo, mas ainda tirarão dele toda e qualquer vontade de voltar um dia a procurar nas instituições que tem esta tarefa. Desintoxicar só, não resolve o problema. O verdadeiro trabalho começa depois da cura da desintoxicação, quando se trata de motivá-lo a querer libertar-se da sua dependência. E é necessário muito tempo, há muito sofrimento e a tomada de consciência é progressiva, a gravidade da situação deve considerar três aspectos entrelaçados: do corpo, da mente e da vida social.

2. Psicoterapia

        A entrada em terapia terá alguma chance de ser bem sucedida se existir a decisão de libertar-se do recurso ao álcool. Esta decisão às vezes custa a se fazer. Na maioria dos casos a motivação é flutuante e indecisa, caracterizada pela instabilidade típica do alcoolista. O indivíduo pode recorrer à terapia quando começa a sentir na pele a “falta”, a “fossa” e a depressão, bem como a sua marginalização e a hostilidade crescente do ambiente social. Pelo crescimento da sua experiência de desprazer, pelos contatos que teve com a morte é que sua motivação pode afirmar e levá-lo a bater na porta de um terapeuta. No entanto a batalha não está ganha. Aqui também a sua instabilidade, a sua inserção é flutuante no tempo cronológico nosso, ele vem e desaparece, reaparece e some de novo, até conseguir uma assiduidade ao seu compromisso. A experiência tem demonstrado que quando esta motivação não se elabora pessoalmente, como expressão de sua vontade de se salvar ou de sobreviver, a entrada na terapia não acontecerá. Levado à força, até com as melhores intenções, por instâncias que ele rejeita e despreza, familiares, médicos, polícia, magistrados e educadores, não aceitará a terapia relacional baseada na liberdade da sua decisão, porque não acreditará nesta mão a ele estendida. Desconfiado do terapeuta e da instituição, vista como um prolongamento do braço da repressão, da recuperação e do enfraquecimento, nenhuma relação afetiva autêntica vai desabrochar. Isso só acontece quando ele mesmo desperta para a necessidade e urgência de uma procura de ajuda, se não quiser morrer. O que infelizmente muitos querem, sem ter consciência disso.

3. Psicoterapia familiar

A participação da família no tratamento é imprescindível. Como já foi dito anteriormente, o alcoolismo pode ter uma função dentro da família. Podemos falar até de famílias alcoólicas, para denominar as famílias onde o alcoolismo passa a ser o organizador central, em torno do qual os padrões de interação da família são moldados, porém, é importante focar que existem diferentes situações, não só pelas diferentes personalidades envolvidas, como também pela fase da história familiar, a partir da qual os problemas passam a incidir. Portanto, a família é um sistema dinâmico e desta forma pode enfrentar períodos, mais ou menos duradouros, onde o alcoolismo funciona como organizador, e nesta fase caracteriza-se como uma família alcoólica. O alcoolismo pode invadir o sistema como organizador central do comportamento familiar em decorrência de dificuldades de adaptação do próprio sistema familiar e dos indivíduos que a compõem. As novas mudanças impostas pela própria evolução do ciclo vital da família ou por circunstâncias externas, desemprego, mudança de residência, etc.

Ao se falar de dificuldades adaptativas de um membro da família, falamos de uma co-dependência, onde este membro pode depender tanto ou mais do alcoolismo, quanto o alcoolista do álcool, ou melhor, pode-se ter um momento de instabilidade familiar onde se apegar ao alcoolismo do outro e organizar-se de acordo com o mesmo, pode ser uma forma de afastar-se dos próprios conflitos e das próprias limitações adaptativas, isso ocorre principalmente se o alcoolismo já fez parte da história de vida anterior. Este é um recurso que se utiliza para retomar a estabilidade.

Quando o alcoolismo faz parte das famílias de origem, percebemos uma tendência a repetição do modelo ou antimodelo (rigidez a qualquer ato de beber). Pesquisas realizadas concluíram que onde pelo menos um dos parceiros era filho de alcoolista, o alcoolismo continuava no curso familiar e que as crianças que se desenvolvem em famílias com este tipo de problema têm um risco relativamente grande de desenvolver problemas de alcoolismo, visto conviverem com a freqüência do problema. É freqüente, também, que indivíduos que provêm de uma família alcoólica e que não se torna ele mesmo um alcoólico, escolhe parceiros alcoólicos. Isso acaba potencializando o risco de transmissão do alcoolismo uma vez que ambos os cônjuges trazem essa herança de sua família de origem.

Indivíduos que provêm de famílias alcoólicas, podem estar mais protegidas de repetir o alcoolismo se escolherem parceiros diferentes e que possam ajudá-los a construir um modelo de relação familiar diferente do alcoólico. Porém, esta é uma habilidade em escolher um parceiro sem herança de álcool que precisa estar ligada à habilidade de desengajar-se de sua família de origem, bem como a de selecionar do passado o padrão repetitivo, o que é difícil e precisa de um bom trabalho de conscientização.

A terapia nesta família consiste em levá-la a perceber, tomar consciência da importância do papel do álcool nela, e do significado e utilidade que o uso do álcool tem para cada membro. É importante desvelar a influência dos padrões disfuncionais do passado no presente. É preciso levar os membros da família a tomar contato com a história de vida de cada um dos cônjuges, da dinâmica familiar, da estrutura e funcionamento de suas famílias de origem e a partir daí estabelecer associações entre estes dados familiares com a dinâmica e funcionamento da família atual.

Desta maneira a terapia passa a interferir nos padrões atuais da família, enfraquecendo o papel do alcoolismo como organizador da interação familiar. Ao perceber esta realidade, os membros de uma família alcoólica, pode realizar mudanças significativas nos padrões atuais, e até mesmo quebrar o ciclo de repetição ao abrir espaço para o tratamento do alcoolismo em si.

Além do mais, isso poderá também interferir nos padrões das famílias futuras, beneficiando-as, para que não se produzam mais vítimas da herança alcoólica.

Este trabalho com a família é de primordial importância, pois onde o alcoolismo assumiu um papel central, o sistema familiar precisa dele para manter-se em equilíbrio e sendo assim, um movimento contrário, o do tratamento, será constantemente atacado e impedido pelo modo de agir desta família, atrapalhando assim, o tratamento do membro alcoolista. A família precisa tomar consciência do próprio envolvimento com o alcoolismo e de sua função para si, de forma que possa seguir seu ciclo vital com equilíbrio sem necessitar para isto daquele organizador.

Cabe dizer que a repetição é uma escolha da família para a manutenção do equilíbrio. Assim como a família do alcoolista escolhe repetir padrões inter-relacionais ligados ao alcoolismo, também pode escolher outras repetições funcionais ou não. Algumas destas escolhas disfuncionais podem ser doenças crônicas de um dos membros, impulsividade ou violência de um dos elementos saudáveis. Também existem repetições saudáveis, funcionais que muitas vezes podem favorecer o crescimento do sistema familiar e isto pode vir a ser descoberto no tratamento familiar.

A proposta de trabalhar com Terapia Familiar para famílias alcoolistas deve enfocar, principalmente, o rompimento com o modelo alcoólico e encontrar novas alternativas de interação familiar e equilíbrio.

 

 

VI-CONCLUSÃO

 

Levantei neste trabalho algumas questões do alcoolismo que gostaria de retomá-los agora para uma conclusão. Numa sociedade capitalista como a nossa, com uma classe dominante que, para se manter no poder precisa colocar à margem um grande número da população, utiliza alguns mecanismos que lhe servem de aparato. Um deles, o estado, outro a ideologia.

A ideologia que marca a nossa sociedade, é a de mercado. Esta ideologia é disseminada pela mídia, outro aparelho da classe dominante. A mídia funciona na nossa sociedade como um meio de alienar. A função principal dela é levar as pessoas a pensarem de acordo com o pensamento da classe dominante, isto é, ter os mesmos desejos e perspectivas. Só que é impossível para a maioria das pessoas, visto que o acesso não é permitido a todos, poucos são os que conseguem ultrapassar as barreiras. O processo é tão excludente e passa por todos os aparelhos utilizados pela classe dominante. O que resta a uma boa parte da população é alienar-se no trabalho, marginalizar-se como meio de obter parte dos bens ou alienar-se no consumo de drogas, para fantasiosamente obter satisfação de seus desejos. Tudo é possível quanto se entra no mundo da fantasia.

O alcoolismo não tem sido uma preocupação das autoridades, visto que ele tem levado milhares de pessoas a alienação e a ficarem à margem do processo de construção social.

No fundo, o alcoolismo é um modo de rebelar-se, de mostrar a contradição da nossa sociedade. Só que isso não é suficiente para levar as autoridades a uma busca de solução do problema e ao contrário, isto tem ajudado na manutenção do sistema tal como ele pretende permanecer.

Mesmo a medicina deixa de lado estas implicações na questão do alcoolismo. Os tratamentos existentes não têm sido no sentido de desalienar a pessoa, tem sido, na sua grande maioria, o da desintoxicação do indivíduo alcoólico. Deixa de lado a família e a reflexão da sociedade alienada.

Em meu trabalho em um Centro de Saúde deparei com dois casos de alcoolismo, um de uma mulher, filha de alcoólico, com problemas devido ao alcoolismo até hoje não resolvidos; outro de uma mulher de pai alcoólico, filho de alcoólico e enteado de alcoólico. Este último caso será descrito mais adiante.

Em outro trabalho realizado no CRAMI-Centro Regional de Atendimento a Maus-tratos na Infância, deparei com inúmeros casos de violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes. Em todos os casos que atendemos estes anos, todos tinham o problema do alcoolismo em um dos cônjuges e este era o fator da violência.

Enfim, trabalhos realizados em Escola, deparei com vários casos de crianças com problemas de aprendizagem que tinham pais alcoolistas. Uma delas, uma menina de 11 anos, tem uma história de vida bastante trágica devido ao problema do alcoolismo do pai. A mãe é espancada constantemente desde que a menina nasceu e nunca saiu do lado desse marido violento. Também ela tem uma história de vida difícil. A menina tentou o suicídio várias vezes sendo que a primeira foi aos 6 anos, logo depois de a mãe ser espancada pelo pai que estava alcoolizado. Além disso, existe a suspeita de abuso sexual pelo pai com a garota. Este caso foi encaminhado para o Conselho Tutelar de Campinas.

Com estes casos entendo que o alcoolismo precisa ser considerado um problema de extrema gravidade visto que ele tem levado muita gente ao sofrimento. Não é só o alcoólico que sofre, a família presa ao alcoolismo acostuma-se com a dor e não busca saídas que possam realmente levar a uma cura. O alcoolismo deixa marcas profundas em quem vive este problema, tanto em quem faz uso do álcool como na família. Algumas destas marcas não saem nunca.

Trabalhar com o alcoolismo é estar consciente que se trabalha o tempo todo com o desamor e com o abandono, das várias partes (indivíduo, família e sociedade). Entendo que é trabalhar com uma ferida aberta que sangra o tempo todo, portanto é necessário ser hábil para estancar o ferimento com o remédio certo: compreensão, conscientização, paciência e capacidade de aceitar o outro por ele mesmo, ajudando-o a olhar-se, aceitar-se e amar-se por si mesmo.

É mostrar ao alcoólico que viver sem o álcool é perigoso, arriscoso, como diz Riobaldo em Grande Sertão Veredas, pois temos que enfrentar os dramas e frustrações da vida, mas se estivermos atentos e preocupados com nossos limites, podemos chegar num ponto melhor do que o que pensávamos. Esta é uma esperança e penso ser importante que a demos àquele indivíduo alcoólico que perdeu a esperança de lutar e à sua família que não sabe entender o tamanho de seus sofrimentos.

 

 

 

 

 

 

 

CASO CLÍNICO 

 

 

 

O caso clínico que apresento aqui mostra um genetograma que se repete por duas gerações consecutivas da esposa M. e em duas gerações na família do alcoolista A.

M. afirma que começou a namorar A. e este já fazia uso do álcool, mas ela acreditava que ele pararia depois do casamento. Acabou deixando ele vir morar com ela. No início o uso do álcool não incomodava, havia brigas entre o casal, mas ela atribua isso ao ciúme de ambos. Após cinco anos, ele passou a beber mais e as brigas aumentaram, até que ela foi embora, abandonando-o. Ele foi atrás dela e a trouxe de volta, só que neste momento foram morar nos fundos da casa de sua sogra. M. engravidou. Os problemas aumentaram devido às

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